Consensualidade e poder público

Não é de hoje que a relação entre interesse público e interesse particular mudou. A esfera administrativa está – e consideramos esta uma boa característica – cada vez mais afastada da ideia de que somente pode atuar nos limites estritos do que a lei expressamente autoriza ou ordena. Nas cadeiras iniciais do curso de Direito, o jovem acadêmico se depara com uma lição simplista, algo como “no direito privado pode-se fazer tudo que a lei não proíba expressamente no direito público somente se pode fazer aquilo que a lei permite expressamente”. Está errado. Passou. Seguir assim é seguir cego às mudanças de nosso tempo. E não são mudanças filosóficas, doutrinárias, desligadas da realidade prática. As normas mudaram, das fontes formais br ota naturalmente a consensualidade no trato da coisa pública. Este livro é, pois, uma proposta de sistematização. De mostrar ao operador do Direito que há consensualidade na gestão do interesse público e que a vontade é sim relevante (porém c ontrolada, obviamente) e indispensável à administração eficiente da coisa pública. E isso tudo pode ser facilmente demonstrado – para os mais apegados à legalidade, seja lá o que isso signifique – a partir da lei. Mais do que isso. Partimos d e um pressuposto básico: no direito brasileiro atual, é possível a autocomposição pelo poder público. O desafio doutrinário e jurisprudencial não reside mais nessa discussão. O problema, agora, envolve como fazê-lo, qual seu regime jurídico, como int erpretar os textos normativos que abordam o problema. Esse é o foco do livro, que discutirá a formação do microssistema de consensualidade do poder público, os limites interpretativos dos textos normativos que a autorizam e várias de suas consequênci as na atuação do poder público. A obra que apresentamos é conscientemente inacabada. Queremos que ela cresça e que a cada edição tenhamos que comentar e acrescentar novas previsões que este microssistema que nos propomos a sistematizar seja cada vez menos micro. Nosso objetivo é produzir um livro que possa ser útil àqueles que possuem algum interesse na consensualidade que envolva o poder público, que busque entender como ela pode funcionar e seus limites, até para suscitar o d ebate doutrinário sobre o tema. Se assim for, nossa missão com esta obra estará cumprida.